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Entrevista com Sergio Bonelli por Paolo Ottolina e o Staff da uBC traduzida por Julio Schneider Todos os meses é ele quem está à frente de um empreendimento de dimensões respeitáveis. Não conhecemos seu faturamento, mas por certo não são migalhas. Contudo, antes de se encontrar com ele, deixe de lado todos os conceitos de que já tenha ouvido falar sobre o gerenciamento e a eficiência milaneses. Por trás do sucesso da SBE há muito trabalho, uma boa dose de sorte e uma intuição incomum. E há, claro, um senhor grisalho e da voz um pouco rouca. Afável, espontâneo, paternalista, auto-irônico. Está bem distante da tradicional figura do "self-made man" lombardo, aquele empreendedor da opulenta região norte, a Lombardia-Vêneto, que a iconografia jornalística e popular da Itália descreve como sovina, vaidoso, cheio de si, caipira e, claro, ignorante. Sergio Bonelli, para muitos italianos, é apenas uma figura, um personagem imaginário como Janine ou Martin Mystère. Mas ele existe, isso nós garantimos, e nos concedeu uma boa hora de bate-papo em um sóbrio escritório em cujas estantes se viam expostas, em grupos de 5 revistas, várias publicações da SBE, desde sucessos como Tex e Zagor aos quase desconhecidos e já extintos Judas e Full. Eis o que conversamos.
Sergio pergunta sobre nossa procedência geográfica. Giovanni, o Webmaster, lhe explica que estamos espalhados pela Itália, que nos conhecemos pela rede e, mais tarde, pessoalmente. Aqui, SB nos interrompe e com simpatia esclarece sua posição de "refratàrio à tecnologia": Não entendo coisa alguma de Internet e já decidi continuar assim. Então, a gente vai falando e eu faço de conta que vocês vão publicar no "Corriere della Valtellina" ou no "Voce del Fattore" [risadinhas dos ouvintes, ndr]. Decidi morrer sem nunca olhar para a Internet ou coisas do gênero... Mas, segundo soubemos, ao menos uma vez o Senhor deu uma olhada... Sim, uma vez, mas aí eu li que só publico porcarias... [ri, ndr] Eu me concedo alguns luxos, mesmo sabendo que estou errado: faço de conta que certas coisas não existem. Não sei usar um computador. Aliás, não cheguei nem na máquina de escrever: a caneta é minha maior conquista tecnológica. Na uBC, depois que foi aberta uma seção International para traduções, recebemos muitos contatos de aficionados bonelianos do exterior. Eles também escrevem para o Senhor? Há um apaixonado na Catalunha, Francisco Tadeo Juan: faz publicações, fanzines, tudo sozinho e com muito afinco. No Brasil também existem pessoas assim, em Curitiba, uma cidade famosa que tem a mais alta qualidade de vida no mundo, segundo uma pesquisa.
Uma pergunta "histórica": ao morrer, Galep estava trabalhando numa história de Tex e já havia umas vinte pranchas concluídas. Serão publicadas? A história será completada? Essas 20 pranchas foram completamente refeitas por Ticci, a meu pedido. Então, Ticci é quem sempre substitui os desenhistas falecidos? No caso de Giolitti os motivos foram sentimentais, era seu aluno e grande amigo, e até seus estilos eram semelhantes. E me pareceu a coisa mais lógica, que Ticci completasse aquela história, da qual já havia várias páginas prontas. Era uma daquelas minhas histórias quilométricas. Na verdade, há um motivo para minhas histórias serem assim tão longas: nunca tenho tempo, e quando um desenhista está sem ter o que fazer, eu escrevo umas 10 páginas, boto num envelope junto com uma cobra e mando para ele. Assim, ele pode trabalhar uns 3 dias com aquela cobra. Voltando a Galep: mandei Ticci refazer aquelas pranchas porque eu pensava em escrever toda a história (mas não deu) e me agradava trabalhar um pouco com ele. Além disso, para o leitor médio, Ticci é um dos desenhistas preferidos. Assim como Villa, por exemplo, mas esse é muito lento e está sempre ocupado com nossos pedidos de capas e outros trabalhos. Sobre a história de Galep, decidimos refazer as pranchas que já estavam prontas porque - são coisas difíceis de dizer mas é a verdade - nos últimos tempos ele não estava muito bem, sofria de um distúrbio na visão que lhe alterava até a perspectiva. Trabalhava em condições realmente impossíveis. Um dia poderia fazer uma edição especial para essa última história, mas prefiro não fazê-la, porque não seria um trabalho do seu nível. É uma pena que nunca possamos ver essas pranchas...
Justamente, eu pensava em fazer uma edição especial ou incluí-las num apêndice de um Tex gigante (Texone); mas fiquei um tanto constrangido e não sei se seria justo mostrá-las, porque o próprio Galep não estava totalmente satisfeito com elas. Eu me criaria um problema de consciência.
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Sobre o diversificado lançamento de novos títulos, a que se deve esta mudança em relação ao passado? Há muito de casual neste negócio, para dizer a verdade. Temos muita sorte porque as coisas estão indo bem, mas temos sido muito corajosos. Porém, o que é certo é que realmente tivemos muita sorte e isso faz com que trabalhemos por "aproximação". Não é aquele negócio que todos imaginam. Outro dia o telejornal [o TG5, em uma série de reportagens sobre os quadrinhos italianos, ndr] disse que era "o maior negócio depois da Disney". Bem, se vocês ficarem aqui um só dia, verão que não há essa grande organização, há muita "aproximação", as metas não são totalmente definidas, não é um negócio assim tão rigidamente organizado que nos permita fazer programações a longo prazo. Não estabelecemos, por exemplo, coisas como "este ano devemos investir X milhões". Andamos meio a esmo, obedecendo aos instintos, dependentes de que os desenhistas e roteiristas não estejam atrasados. Essa explosão de novos títulos, todos juntos, se deve ao acaso: são séries que estavam no forno há anos. E nós, um pouco por preguiça, um pouco por insegurança, em muitos casos adiamos os lançamentos. Em outros casos fomos mais ágeis: Magico Vento se fez disponível em poucos meses, e tanto é verdade que temos poucas histórias no "estoque". Essa decisão foi tomada no ano passado. Por outro lado, tenho a impressão de já estar há uma vida inteira falando sobre Brendon…
Por que o Senhor não dá muitas informações sobre lançamentos futuros? É um capricho, nos reservamos uma margem de erro. Na realidade, vivemos um momento em que se deve estar atento ao mercado, que está fraco, mesmo tendo tantos personagens no forno. Veja o caso de Julia, de Berardi: parece que falamos sobre isso há 10 dias mas ele está trabalhando no personagem há um ano e meio. Há a idéia de que a Editora Bonelli seja explosiva, vivaz, porém somos bastante lentos e inseguros. Não temos como fazer tudo de uma vez... Nós encorajamos projetos isolados, como Napoleone, que é administrado pelo próprio autor, Ambrosini, com poucos desenhistas. Ele tomou o cuidado de não atrapalhar o desenvolvimento das outras séries e, ao mesmo tempo, administrar aqueles poucos desenhistas que estão consigo. Por outro lado, não quero iludir as pessoas contratando trinta novos desenhistas quando não sei onde vamos parar: Magico Vento chegou ao n.8 e não sabemos ainda se será um sucesso que vai durar 10 anos ou apenas uns 3. Não quero dar trabalho a um jovem e depois abandoná-lo porque não consigo vender. Por outro lado, os quadrinhos estão em dificuldade em quase todo o mundo… Sim, cheguei há pouco da Inglaterra e não consegui encontrar uma revista em quadrinhos nas bancas nem pagando um milhão, exceto os mangás e os americanos vendidos em livrarias especializadas. Mas HQ em série e em preto e branco, nem sombra. Na França editam 20-30 páginas de Tex por mês, num formato pequenino, quando há poucos anos quase todos os nossos títulos tinham edições francesas. Eles, que foram os primeiros a darem uma guinada histórica, há poucos anos, hoje publicam quase que exclusivamente aqueles álbuns coloridos. E que já foram sinônimo de qualidade, mas hoje é só uma fórmula, não é mais um prêmio que o editor concede ao autor de destaque. E em outros países as HQ não vendem mais? Sim, nós conseguíamos vender nossos quadrinhos na Suécia, na Iugoslávia, na Noruega. Na Finlândia ainda conseguimos vender alguma coisa, pois é um mercado antigo e tradicional. Talvez vendam apenas por assinatura, já que o frio não lhes deixa sair de casa para ir à banca. Desse modo, não notam as mudanças editoriais e aí vão passando os Tex de pai para filho [risadinhas gerais, ndr]. O Brasil é o único lugar na América do Sul onde ainda vendemos. É bem verdade que hoje é só o Tex, pois os outros (Nathan Never, Dylan Dog, Zagor) tiveram vida curta. Até Mister No chegou por aquelas bandas, nos parece. Sim, mas apenas 3 ou 4 números. O editor era um esfarrapado que sumiu na floresta amazônica. Sem pagar, naturalmente. Tex, no entanto, está a cargo de uma grande editora, ligada à Rede Globo. Tex vende 30-40.000 exemplares, perdendo apenas para os personagens de Maurício de Souza, o Disney brasileiro. Há esse projeto com a Dark House, dos Estados Unidos. Na verdade, não estou tratando disso pessoalmente. Sei que faremos essa tentativa que, por motivos óbvios, terá características diferentes das nossas edições. Eles não o farão com muita boa vontade, em razão do preto e branco e do número de páginas. Nunca pudemos contar com esse mercado, há muitas diferenças: eles são contrários à fórmula do "continua" e 100 páginas é muito para eles... E eles têm um outro modo de estruturar a narrativa. Voltando à Itália, já sabemos de Berardi. E sobre Milazzo, há previsão de que consiga terminar o seu Texone dentro do esperado? Oh, sim, ele se meteu a trabalhar com muita boa vontade e já concluiu um bom número de páginas [publicamos algumas na prévia da edição de fevereiro da uBC, ndr]. Está fazendo uma "revisão" no personagem e algumas faces de Tex ainda precisam ser aprovadas. Precisa endurecer um pouquinho o maxilar, está meio delicado. Ainda que seja da própria filosofia do Texone as diversas interpretações do personagem, que não seriam aceitas na série normal, esse é um jogo que faço, com o intuito de prestigiar o aficionado leitor médio. Talvez ele possa não entender o trabalho desse grande autor se ficar muito distante dos desenhos habituais. E esta nova interrupção de Ken Parker (mais uma)? Ken Parker é uma publicação que eu amei por demais. Dei total liberdade aos autores quando me trouxeram o projeto, e lhes deixei com bastante autonomia quando entendi que eram espertos. Mas eu sofria por não conseguir dar afirmação à série: era um sucesso qualitativo, seus leitores eram bastante particulares. Havíamos conquistado os universitários, por exemplo, e quando atingimos uma tiragem decente surgiu essa ilusória perspectiva das revistas de autor e eles preferiram deixar de fazer histórias em série, que impõem certas escolhas, por óbvio. Depois, resolveram trabalhar por conta própria, e a partir daí seus trabalhos se tornaram mais esporádicos. Quando voltaram a trabalhar conosco, duas constatações se fizeram: o público formado pelos antigos leitores é pequeno (20-25.000) e para as novas gerações é uma temática já "desbotada" que não faz sucesso. Contudo, os próprios autores já perderam um pouco a vontade de voltar aos mesmos temas e até mostraram um pouco de desinteresse pelo personagem. Então, não seria o caso de encerrar a saga do personagem com a ventilada "morte de Ken Parker"? Fiz um pedido aos dois autores e eles prometeram pensar no assunto. Para mim, o ideal seria interromper a saga enquanto Ken ainda estivesse na cadeia. Eles me disseram que por enquanto não têm tempo, mas toda vez que os vejo, insisto. Comentários de bastidores questionam os limites da "animação suspensa". O seu Mister No continua a viver, passa desta para a melhor, será mantido em vida "artificial"? Bem, se o público, como espero, aceitar este aumento no preço de capa não será necessário encerrar a publicação. A não ser que façamos uma autocrítica tal que possamos dizer: o personagem Mister No já disse tudo e não vale a pena prosseguir. Raciocínio similar não vale, obviamente, para os grandes sucessos. Se fosse assim, Tex já teria dito tudo há muito tempo. Se os autores não conseguirem nova inspiração, quem sabe...Sabem, nós nos afeiçoamos muito aos nossos personagens, não apenas a Mister No, que eu escrevi, mas a todos. Mas somos obrigados a aceitar a incômoda verdade: hoje não é simples conseguir vender 37-38.000 exemplares com um novo personagem. Se encerro Mister No para lançar uma nova série que venda apenas 15.000 exemplares, como acontece a outras editoras, com que cara vou ficar? Mas parece que Napoleone e Magico Vento estão indo bem. Ou não? Sim, mas estão sob observação. Vocês, leitores, sempre nos dão uma primeira oportunidade. Quando publico uma nova série, o jornaleiro vê a propaganda em outras revistas, nota que é um produto meu e lhe reserva um espaço. O leitor passa, vê uma de nossas novas revistas e diz "vejamos como é", porque sabe que nunca lhe demos grandes decepções. Depois, talvez a publicação não lhe agrade e ele vá abandoná-la no terceiro número. Mas uma chance sempre é dada às nossas revistas. Magico Vento começou muito no alto, por volta de 130.000 exemplares, hoje já desceu, mas ainda precisamos descobrir onde vai se estabilizar. Tendo em mente que hoje os leitores jovens são em menor número, não seria melhor partir para as minisséries? Vejam, somos gente que demora a aceitar mudanças. Nos agrada pensar que quando se gastam as energias em um novo trabalho, esse vai durar por um bom tempo. Não nos agrada começar e terminar, começar e terminar, ainda que seja um caminho que estamos, em parte, seguindo: Napoleone é uma minissérie. Porém nós a temos sob observação e podemos, teoricamente, transformá-la em uma série fixa se for bem. Se for mal, podemos dizer "estávamos brincando, sempre dissemos que ia terminar" [risadinhas, ndr]. Para nós, contudo, uma publicação que começa com data marcada para terminar é algo que já nasce errado. Uma experiência editorial como aquela da Bonelli-Dargaud pode voltar, para o futuro? Deus me livre. "Pilot" vendia 15-17.000 exemplares. Nos tempos áureos, "Orient Express" nunca chegou a 20.000 exemplares. Em teoria, os álbuns da Dargaud podiam ter continuado, pois era material estrangeiro e custava pouco. Mas aquelas edições vendiam 5-10.000 exemplares. Era uma perda econômica relevante. Nunca nos preocupamos com cifras quando uma série apresentava ligeiros prejuízos mas era compensada pelo grande sucesso de outra. Naquele caso, porém, havia a ilusão de um mercado que não existe mais, o de revistas de autor. Aqui em nossas plagas, Comic Art voltou às bancas, mas infelizmente temo que não poderá durar.
Uma pergunta que todos sussurram: o que acontecerá quando Sergio Bonelli se aposentar e deixar a Sergio Bonelli Editore?
Oh, será um cataclismo [ri, ndr]. Infelizmente, esta é uma empresa baseada na minha pessoa. Mas ainda vai durar, porque hoje temos gente capaz, que sabe como fazer tudo funcionar sem mim. Você citou a aposentadoria, o que seria justo. Falta o filho, pois em outras empresas há um herdeiro pronto a continuar o trabalho do pai. Eu tenho um filho, mas ele não está interessado e não vai dar seguimento. A idéia que me agrada, mais que as outras, seria que cada um dos autores levasse em frente sua própria publicação. Outra idéia é fazer uma cooperativa, mas temo que depois de um ano os vários autores se esganem e não sobre mais ninguém. Outra hipótese, obviamente, é que alguém compre a empresa, mas nesse caso seria necessário um consenso entre os autores. Essa não é uma empresa ligada ao futebol e eu não sou o presidente. A hipótese mais séria é a de que cada autor se torne seu próprio editor, como faz Secchi. Mas é certo que faltaria aquilo que hoje chamam de "sinergia".
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