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Talvez eu devesse dizer que não aparenta. Seria mais gentil. E isso até é verdade: o Espírito da Machadinha freqüenta as bancas há quarenta anos e não aparenta cansaço. Aliás, continua a viver novas e surpreendentes aventuras todos os meses, mantendo um frescor invejável. Depois de quatro décadas, Zagor ainda é um jovem em plena forma, sorte dele. No entanto, tentem se imaginar vivendo num mundo onde Zagor não existe. Tentem se imaginar propondo a um editor, talvez Sergio Bonelli, publicar os quadrinhos de um personagem que se veste como um super-herói, que vive nos Estados Unidos de 1840, que se desloca usando cipós como Tarzan, que tem como companheiro de aventuras um mexicano bufão, que faz os peles-vermelhas acreditar que ele é um espírito enviado por Manitu, que luta indiferentemente contra ladrões e assassinos comuns e contra vampiros, magos e mortos-vivos. Provavelmente o tal editor os chamaria de doidos. Não é mais a época para quadrinhos desse tipo. Não no Século XXI. Não quando os garotinhos esperam heróis voadores que lutam kung fu e atiram bolas de fogo com as mãos. Não quando se aproveitar da credulidade dos índios é considerado politicamente incorreto. Não quando o oeste - o verdadeiro - já foi visitado por Gino d'Antonio, Berardi & Milazzo, Bonelli & Galep. Não quando comicidade é sinônimo de "Simpson" e "South Park". Não quando os vampiros são aqueles de Dampyr e os zumbis são aqueles de Dylan Dog. Não quando os leitores mais adultos esperam um maior realismo nas histórias e personagens com profundo perfil psicológico. Não quando os justiceiros íntegros deixaram seu lugar a anti-heróis mais atormentados (ainda no âmbito Bonelli, vejam Ken Parker, Dylan Dog, Nathan Never). Em suma, para publicar Zagor nos dias de hoje precisa ser doido. Para nossa sorte, Zagor nasceu na beleza de 40 anos atrás, e nasceu como produto confeccionado sob medida para um público muito jovem, sob o signo da aventura pura. Justamente por isso, eis um personagem que reúne em si as características de alguns heróis de sucesso (Tarzan, Fantasma, Batman e alguns outros super-heróis do gênero), que vive na terra da Aventura por excelência (a América do século XIX), etc. Na época, um personagem do gênero podia funcionar, e realmente funcionou. Resta o mistério de como tenha conseguido sobreviver até os nossos dias, sempre sendo igual a si próprio (ou quase). A palavra mágica é: "alquimia". Em Zagor se encontra de tudo e mais um pouco. Dos familiares cenários de faroeste às dimensões paralelas. Dos clássicos criminosos armados de revólver e punhal aos antagonistas mais disparatados, até sobrenaturais. Dos personagens que são pouco mais que divertidas caricaturas (pensem, por exemplo, em Icaro La Plume), a aqueles que mostram uma personalidade complexa (como Guitar Jim). Das aventuras mais improváveis (como "O Último Viking") àquelas mais firmemente ligadas à realidade do mundo. Da situação cômica à trama mais dramática. E por aí vai. No passado faltava um toque mais róseo, mas recentemente esse também foi agregado, e assim o quadro está completo. O segredo é esse: nenhuma limitação de gênero. Giancarlo Berardi disse que "as boas histórias são aquelas com bons personagens": Zagor demonstra que isso só é verdade em parte. A variedade de cenários e de situações também é importante, e este é o principal ponto de força da série. É de se reforçar como essa mistura se manifesta não apenas entre uma história e outra, mas também em uma mesma história, na qual situações humorísticas e paradoxais ladeiam seqüências mais realísticas, intensas e dramáticas. Basta pensar na dualidade da dupla Zagor-Chico. Ainda que alguns - sejam leitores, sejam (infelizmente!) autores - considerem Chico um personagem inoportuno e incômodo, para não dizer logo impertinente, a sua presença constitui um dos pontos cardinais da série, visto que, sendo tão desastrado, se contrapõe ao herói protagonista fazendo, por assim dizer, um contrapeso a todas as qualidades quase super-humanas de Zagor, aumentando sensivelmente a diversificação das aventuras. Zagor precisa de Chico tanto quanto de sua machadinha.
Desde então, muita água passou em baixo da ponte. Os quadrinhos, de um modo geral, se transformaram, tanto na forma quanto no conteúdo. Partindo do assim chamado gibi "underground" americano, àqueles "quadrinhos de autor" italianos, até o gênero mais popular mudou sua expressividade, tornando-se algo mais maduro. Até Sergio Bonelli abandonou Zagor para se dedicar a Mister No, e depois vieram Ken Parker, Dylan Dog e Nathan Never, que relançaram o gênero com alarde, demonstrando que os quadrinhos não são apenas coisa de criança, visto que era necessário que esta deslumbrante obviedade fosse dita. Bom para nós. Ou melhor, bom para os quadrinhos em geral, mas não tanto para Zagor que, mais uma vez, se viu etiquetado como um produto para a juventude. E injustamente, isso nós sabemos: infelizmente, há quem possa ler "O Raio da Morte" (it. 178/182, br. 6, Record)) e só notar o absurdo de um sujeito que luta com arco e flecha contra alienígenas, sem, ainda que minimamente, notar a perfeição com que foi escrita e desenhada a história. Como há quem diga que Dylan Dog é uma cretinice porque atira em zumbis.
![]() ![]() Mas algo está mudando de novo, segundo um eterno impulso de renovação que, afinal, é cíclica. A publicação - em tempos mais ou menos recentes - de Legs, Jonathan Steele e Gregory Hunter testemunha a vontade de voltar a ver os quadrinhos como forma de entretenimento menos problemática em comparação aos citados Dylan Dog e Nathan Never, porque, afinal, uma parte dos leitores (ou, talvez, uma parte de cada leitor) simplesmente precisa se divertir, lendo um gibi sem se aborrecer com dúvidas existenciais. Certamente não é sem razão que Antonio Serra cita o primeiro número de Zagor na edição n. 1 de Gregory Hunter. Quase parece um rompimento, mas podemos também chamar de diversificação, que contrapõe um gênero de quadrinhos mais fantástico e extrovertido a outro mais realístico e introspectivo, na intenção de atingir o maior público possível, sobretudo no que diz respeito às diversas faixas etárias. Naturalmente, já existe um gibi que conjuga o divertimento com a introspeção e a fantasia com o realismo: ele se chama Zagor, e está nas bancas há quarenta anos.
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